segunda-feira, 9 de abril de 2018

CONTO - Ritinha e Ricardinho (TL)


RITINHA E RICARDINHO
Totonho Laprovitera*



Ritinha era uma moça meio desabonitada para os atuais padrões de beleza. Contudo, possuía uma alma boa e nutria um sonho em sua deserta vida: o de namorar. Namorar pra valer, Naquela paixão de se entregar de corpo e alma para quem desejasse amá-la de verdade!

Em uma tarde de mormaço, Ritinha avistou Ricardinho, jogador de futebol. De esquálida compleição física, suas cambotas cambitas indicavam a sua vocação para a prática do esporte bretão.

Quando Ritinha espiou Ricardinho caxingando – por contusão, presumia – com um par de lustradas chuteiras debaixo do braço e um boné com a aba virada para trás... Gamou na hora! “Era um craque da bola”, repetia-se em pensamento a então candidata à maria-chuteira.

Desde então, Ritinha se agarrou a fantasiar como sendo a esposa do príncipe dos gramados. Até já se via residindo no estrangeiro, com os cabelos estirados e tingidos de loiro, com uma reca de filhos ao redor do casal, todos falando em inglês. E quando viessem de férias, como seria a chegada em Mucunã? Ora, certamente, desfilariam na caçamba de uma camioneta cabine-dupla pelos logradouros do distrito, sob os gritos de “urrus” e palmas e assobios do povo.

Ricardinho jogava de ala ou de meia, dependendo do esquema tático do “professor”, como ele costumava chamar o treinador do seu time, nas entrevistas em que fazia tipo, puxando um forte sotaque carioca e o dedo indicador zanzando pela orelha de abano. Diziam que ele era apenas um esforçado jogador, mas que sabia se valorizar. Vivia contando sobre mirabolantes propostas que recebia, mas que não podia divulgar, dado à cláusula de sigilo estabelecida em documento pré-contratual.

Ritinha, já arreada os quatro pneus e o sobressalente por Ricardinho, resolveu abordá-lo no bem-frequentado bar de “seu” Doca. Botou pra quebrar: toda nos trinques, vestiu-se de Marisa e perfumou-se de Avon! Carregou no aceso encarnado do batom e abarrotou de créditos o seu smartfone. Chegou de moto-táxi, sentou-se à mesa reservada e, mostrando uma reluzente e recheada carteira de cédulas, pediu uma dose de Campari com limão e uma porção de torresmo light para tira-gosto.


Entre a zona do agrião e a marca do pênalti, Ricardinho já havia entornado sete geladas e umas cinco canas, mordendo um único e enfarofado espetinho de gato. Mais liso do que muçum ensebado, pelo atraso de salários do glorioso Clube de Regatas Taquara, imediatamente grelou os olhos na endinheirada beldade. Em ato de puro interesse, dirigiu-se à Ritinha. 

– Boa noite, broto!

– Boa noite, moço.

– Estou vendo que está desacompanhada... Aguarda alguém?

– Não, não aguardo. Estou de passagem, aí, resolvi me distrair um pouco, sei lá...

– É como eu digo no Rio de Janeiro, broto, nada como refrescar a mente, num dia de bobeira...

– Pelo sotaque, já vi que você não é daqui, acertei?

– Na mosca! Nasci em Flores, Russas, mas fui criado em Ramos, Rio de Janeiro...

– Ah, então você é carioca...

– Da gema, broto. Da gema...

– E o que você faz da vida?

– Não faço, compro feito...

– Não brinca, diz...

– Bem, eu bato numa redonda pra descolar um troco...

– Como?

– Eu sou atleta profissional de futebol, broto. (Risos)

– Entendi...

– Posso me sentar?

– À vontade.

– Maneiro, broto.

– Imagina...

– Bem, eu me chamo Ricardo Augusto, mas atendo por Ricardinho. Qual a graça do broto?

– Rita de Cássia, mas pode me chamar de Ritinha...

E assim começou o primeiro capítulo da novela Ritinha e Ricardinho.

Daí por diante, em Mucunã, o falatório era geral em torno do grude do casal. Não demorou muito, Ritinha se entregou à Ricardinho e, diante de tanto engodo, quase que ela embucha.

Mas, como dizem que “tudo que é bom dura pouco”, o romance perdurou o suficiente para que o onzenário Ricardinho tomasse conhecimento de que não existia a menor chance de aplicar o golpe do baú em Ritinha, que não tinha onde cair morta. Na realidade, o “dinheirão” que a moça aparentava possuir era fruto de um seguro desemprego, somado à merreca de uma indenização trabalhista, recebida do quebrado armarinho Aguia de Ouro, em que ela havia ligeiramente trabalhado. Quer dizer, na realidade, Rita de Cássia, a Ritinha, era lisa e desempregada.

Por sua vez, Ritinha descobriu que Ricardinho era um jogador sem-futuro e tido como figura carimbada no ofício de ludibriar pequenos e bem intencionados clubes de futebol society. Quer dizer, Ritinha pegou abuso do Ricardo Augusto, o Ricardinho, que além de viver bichado, não tinha habilidade para dar, pelo menos, três consecutivos pezinhos.

Restou ao casal, o que sempre articula o professor Carlinhos Analfabético: “Don’t cry because it’s over, smile because it happened”, ou seja, “Não chore porque acabou, sorria porque aconteceu”.



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