sábado, 7 de abril de 2018

ARTIGO - O Caso Lula (RV)



O CASO LULA
TROCADO EM MIÚDOS
Reginaldo Vasconcelos*



DO CRIME

A tese da defesa de Lula da Silva se baseia no fato de que o apartamento tríplex na Praia de Guarujá, em São Paulo, reservado e reformado para o ex-presidente, pela empreiteira do Governo OAS, não está em nome dele, nem foi por ele pago – embora ele tenha feito uma longa negociação para a sua compra, conforme está confessado, documentado e, portanto, é incontroverso.

É fato, o imóvel nunca teve registro em cartório no seu nome, e Lula jamais pagou por ele – e exatamente estes fatos, que embasam a sua tese da defesa, representam, de forma irônica, o cerne da acusação que se lhe faz. A Justiça interpretou que ele nunca pagou pelo imóvel porque o recebia por propina, e nunca transferiu para si por ocultação de patrimônio.

Como a “mulher de César deve parecer honesta”, segundo o velho axioma, tendo sido Presidente da República por dois mandatos, e mentor político da sua sucessora no poder, ele já não deveria ter se metido em negociação com um empreiteiro do Governo, Leu Pinheiro – que também está preso e que confessa que o apartamento era objeto de propina.

Para o Direito Penal, o que se procura é a chamada “verdade real”, e não a verdade processual, a verdade administrativa, a verdade burocrática. Para o Direito Civil, se um automóvel, ou um imóvel, não está registrado no nome de alguém, a coisa não lhe pertence. Se o nome de uma pessoa não consta nos documentos constitutivos de uma empresa, para o Direito Civil ela não integra a sociedade. Ponto final.

Mas, o Direito Penal admite as figuras do “proprietário oculto” de um certo patrimônio, e do “sócio oculto” de uma determinada empresa, por eventual dissimulação com objetivos criminais. Se alguém emana ordens definitivas em uma organização empresarial, da qual não participa oficialmente, e tem o seu birô no local mais destacado do escritório – e há atividades ilícitas envolvidas no negócio, a Justiça presume que ele é o verdadeiro responsável.

Do mesmo modo, se alguém ostenta, sobre um determinado bem, todos os direitos concernentes às atribuições da propriedade – o direito de usar pessoalmente, o direito de fruir (obter renda com ele), o direito e dispor dele (emprestar ou vender), para o Direito Penal, no campo da “verdade real”, ele é o dono verdadeiro – se dessa propriedade defluir algum ilícito.

Vai se repetir a mesma coisa no julgamento de Lula, pelo mesmo crime, no caso do sítio de Atibaia. O imóvel nunca foi dele, porque não foi registrado em seu nome e Lula não pagou por ele. Mas ele usava o sítio, tinha o nome dos seus netos nos pedalinhos da lagoa, tinha monogramas do casal nas roupas de cama, mesa ou banho, mantinha ali sua adega de vinhos e ostentava fotografias da família sobre os móveis da mansão.


DA PRISÃO

O Supremo Tribunal Federal tem oscilado no tempo quanto ao entendimento de que a condenação penal de alguém, emanada ou confirmada por um colegiado, ou seja, exarada originalmente por um tribunal, ou prolatada por um juiz de primeira instância e mantida por um primeiro júri de vogais, em recurso interposto, já pode o condenado ter a prisão decretada para a execução provisória da sentença, sem se ter que esperar o “trânsito em julgado” da decisão condenatória.

Tecnicamente, o trânsito em julgado somente se dará após o exame dos recursos Especial e Extraordinário, em face do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, respectivamente. Mas esses recursos não têm efeito suspensivo dos comandos da sentença, e somente se prestam à análise de questões de Direito, e não de fato, de modo que a materialidade e a autoria do crime não serão mais examinadas.

Os que defendem a execução provisória da sentença condenatória, já confirmada no primeiro tribunal de segunda instância, alegam que os dois últimos recursos aos tribunais superiores, que são excepcionais, e que somente os criminosos ricos impetram, demoram anos a fio a serem julgados, de modo que esperar por eles tem lavado à prescrição dos crimes e, consequentemente, à impunidade. Demonstram que em mínima porcentagem esses recursos, ao fim e ao cabo, afetam o mérito da causa a ponto de elidir a condenação.

Os que são contra a execução provisória da sentença hasteiam o inciso 57 do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual a pessoa somente pode ser considerada “culpada” após o trânsito em julgado. Mas não fala em prisão. O inciso do artigo 5º da Constituição que fala em prisão, o de número 61, reza que ela somente pode ocorrer em flagrante, ou por ordem expressa do juiz competente, devidamente fundamentada.

O que é fato, estreme de dúvida, é que a presunção relativa de inocência se mantém preservada enquanto a pessoa é suspeita, investigada, indiciada, denunciada, ou mesmo ré (in dubio pro reo). Quando ela é condenada, desde o primeiro grau, mas principalmente em segundo grau, a materialidade e autoria do crime estão demonstrados, a culpa já está formada, de modo que passa a prevalecer, a partir de então, a presunção de culpabilidade (in dubio pro societate). Assim, de maneira lógica, a pessoa já é considerada culpada antes do trânsito em julgado. É inelutável. Desse modo, o inciso 57 do artigo 5º, na prática, é letra morta.
  

DO HABEAS CORPUS

Se estivessem dispostos a julgar corretamente, sem nenhuma inflexão política, caberia aos Ministros do Supremo Tribunal Federal negar esse remédio jurídico de plano, porque um habeas corpus  somente tem cabimento quanto o impetrante faz prova de que o paciente está preso ou ameaçado de prisão, de forma ilegal, injusta, ou com abuso de autoridade.

Lula estava condenado à prisão por um juiz e um tribunal competentes, após o decurso do devido processo legal. A fundamentação da execução provisória da sentença, mesmo antes do trânsito em julgado, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estava arrimada em decisão anterior do Supremo Tribunal Federal, pacificada há dois anos, súmula que já tinha justificado dezenas de outras prisões da Lava-Jato.

Não cabia, portanto, aos Ministros, discutir a decisão anterior do seu tribunal, ao contrário do que, impertinentemente, eles fizeram, porque não era a oportunidade técnico-processual para que ela fosse reformada. O habeas corpus era inepto, e assim teria de ser declarado – mesmo pelos Ministros que ficaram vencidos dois anos atrás, quando a maioria consolidou o entendimento – em respeito ao primado da colegialidade, conforme a Ministra Rosa Weber, sabiamente, defendeu.

       


COMENTÁRIO:

Li artigo intitulado O CASO LULA. TROCADO EM MIÚDOS. Repliquei-o na minha página do FACEBOOK com a chamada “DIDÁTICO”. Já havia visto alguém comentar na TV algo parecido, no entanto, sem a clareza necessária. Didático! Fácil entendimento! Parabéns!

Luiz de Morais Rego Filho




O artigo vai direto ao ponto, deixando claro a regularidade do processo e os fundamentos das conclusões pelas quais o ex-presidente Lula está preso. O mais é tática eleitoral. Parabéns pelo texto.


Rui Martinho Rodrigues


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