sexta-feira, 14 de março de 2014

ARTIGO (PMA)

BANQUETES SEM COLORAU
Por Paulo Maria de Aragão*

É lugar-comum dizer que o desequilíbrio das finanças do Tesouro deve-se à ilimitada corrupção responsável pelos multíplices problemas sociais. Nem mesmo em situação de emergência, prefeituras param de esbanjar milhões nas festas populares de cunho político (panem et circenses); além dessas estripulias absurdas, registre-se a compra de 2,5 toneladas de sabão, 4,2 mil vassouras de palha e quase uma tonelada de colorau, sem valor nutritivo na merenda escolar.

Por essa pouca-vergonha, a Nação se embota. A cáfila governa para os encastelados no poder, confraternizando-se nos banquetes opíparos, e não oculta a voracidade por crustáceos, iguarias feitas com o caviar e libações custeadas com o minguado bolso do contribuinte. São bocas vorazes que só fecham com terra de sepultura. “Se o povo não tem pão, que coma brioches” - o estopim da massa plebeia que guilhotinou Maria Antonieta.

Aqui a história é bem diferente: na falta de “brioches”, a plebe, humanos-ratos que moram debaixo de pontes, come restos catados nas sujidades dos lixões. Homens, mulheres e crianças, todos perdem o direito à condição humana na disputa com abutres para garantir o sustento; são o povo sem rosto, sem voz e resignado com a dor e a desesperança.

Triste sociedade que vê no ser humano o abutre - catadores consumidos por vermes nos aterros sanitários. Que segurança lhes dá o Estado ao fugir da obrigação de estabelecer e fazer cumprir os direitos fundamentais dos cidadãos? Onde ficam as políticas públicas que visam assegurar-lhes uma existência digna? Sob essa visão desconcertante, é impossível atingir a ordem social, tendo o primado do trabalho humano como postulado do bem-estar e da justiça sociais (art. 193 da CF).

É sempre lamentável que a opinião pública se submeta às estripulias do governo. Ainda pior, os que nele se assentam logo abrem o apetite fisiológico; embevecidos com mordomias, fazem-se indiferentes àqueles que arrastam a existência na miséria e mendicidade. Talvez os banquetes fossem refreados pela reação dos pedintes com pratos vazios e cartazes. Um tempero indigesto para os glutões que têm a coisa pública como butim e ainda levam as sobras para o “vigia” (leia-se geladeira).

*Paulo Maria de Aragão
Advogado e professor
Membro do Conselho Estadual da  OAB-CE 
Titular da Cadeira de Nº 37 da ACLJ

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