quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

RESENHA

CANTORIA - MÚSICA E PALAVRA
Por Vianney Mesquita*


Revolvendo guardados editoriais, um dia desses, dei com a obra intitulada “Cantoria – Música e Palavra”, da autoria de Elba Braga Ramalho, docente da Universidade Estadual do Ceará, na área de Música, defendida no recuado 1992, perante douta banca na Universidade Federal do Ceará – Mestrado em Sociologia – da qual procedi a nova leitura, 21 anos depois, com entendimento totalmente diverso daquele que presidiu à primeira.

A Autora, nesse lapso, cresceu por demais nos seus estudos, havendo publicado várias outras pesquisas, culminando com o escrito de doutorado, programa acadêmico desenvolvido, salvante lapso de memória, no Reino Unido.
   
O analista mais apressado, decerto, não hesitará, no primeiro exame, em ter por bretoniano o pensamento de jungir a raízes da Filosofia Estética uma das mais expressivas formas de manifestação artística exercitada no Nordeste brasileiro – a cantoria – cujo interesse principal é a união das ideias, servindo-se da música como integrante acessória.

Ao insinuar-se mais profundo no raciocínio, entretanto, miudeando as relações estreitas de várias disciplinas dos saberes científico e filosófico, votará o crítico, seguramente, pela existência de um liame consistente entre essas duas maneiras – distintas em grau – de expressão da inteligência, de sorte a afastar, porquanto equívoca, a inferência sobrerrealista inicial, à André Breton.

É o que evidencia, com sobeja clareza, simplicidade e correção, a professora doutora Elba Braga Ramalho, ao invitar pensadores da melhor estirpe e projeção internacional, com o propósito de embasar teoricamente sua compreensão acerca da cantoria, a qual, comprovadamente, tem por substrato pressupostos interdisciplinares de Filosofia, Arte e Estética, sem jamais deixar de conceder valor à sabedoria popular, como uma das procedências importante do saber "parcialmente centralizado".

Detentora de instrução esmerada, granjeada no decurso de uma vida acadêmica admiravelmente rápida e consentaneamente escolhida, a autora tomou seletas leituras, bem como fez anotações contingenciais, apreendidas em universidades do Brasil, Alemanha, Reino Unido e outras nações de preponderância na senda do alto conhecimento cultural, científico e artístico, e cotejou essa matéria com as múltiplas visitas de campo, a fim de conceder unidade e conferir conformidade à junção.

Desse trabalho de arquiteto de teorias e esteta da forma, dimanou um escrito altivo em conteúdo e plástico em continente, porque burilado sobre bloco estudadamente sólido e traçado sob atributos de língua, estilo e ética, exigíveis da moderna manifestação didático-científica.

Comparte da chefia de uma família nuclear magnificamente estruturada – o que dá azo ao equilíbrio - Elba Ramalho possui a tranquilidade em si (e, caso a não tivesse, seria debalde buscar alhures, como disse Madame Guibert), malgrado a ebulição das cidades, da "sociedade do espetáculo" – consoante é divisado por Guy Débord - a fervura das paixões e o agravo das interdições e ilicitudes. Por esta razão, é uma pessoa feliz, investigadora de prestígio, estatuto já definitivamente legitimado neste “Cantoria – Música e Palavra”.

Ao se demodular esse escrito da Autora, o entendimento é o de que a “Cantoria", cujo vigor da estese está em dose maior na poesia pela palavra, emoldurada pela música da viola, compreende um misto de sensação e de dependência ao raciocínio. Isto porque os cantadores praticam poemas com tinta de sentimento, mas empregam os mais variados expedientes do metro, estudados, debatidos e com classificação universal, em conteúdos que a sensação não pode dominar, daí por que é solicitado o concurso da ideia e da intelecção, as quais, por seu turno, não podem prescindir do sentimento.


Constato, pois, e com vero agrado, que o estudo “Cantoria – Música e Palavra” não perdeu absolutamente nada da sua atualidade, tampouco da propriedade dos seus conceitos, de sorte que sua reedição, aqui sugerida, a retirará da “etagére” a fim de se oferecer a novos leitores, os quais terão o ensejo de privar do contato com uma vertente séria, segura e veraz a respeito da “Cantoria” nordestina. Esta, conquanto inserta no “folk-lore”, é adida a procedências científicas, filosóficas e estéticas, com o aval de pensadores, por exemplo, como G.W.F. Hegel e Jürgen Habermas, fato a conceder peso axiológico a este tema de tanta preeminência.



*Vianney Mesquita
Professor da UFC
Escritor e Jornalista
Membro da Academia Cearense 
da Língua Portuguesa
Titular da Cadeira de nº 22 da ACLJ

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