domingo, 7 de abril de 2024

POESIA - Soneto Decassilábico Português [Sem rimas com substantivos nem adjetivos] (VM - MC)

PROVEITO DO SILÊNCIO
Vianney Mesquita*
Márcio Catunda*  


Oculte o que sente, o que pensa. Orne-se e exalte-se de ignotos esplendores a alma na prisão dos sentidos. Admire-se, aprecie-se e cale-se.

 

[FIÓDOR IVANOVITCH TIÚTCHEV, poeta russo.
Ovstug, 05.12.1803; San Petesburgo, 27.07.1873].


 

Em não falar pensemos tão-somente
Quedos restemos em sazões quaisquer,
Na taciturnidade, adredemente.
Ao decidir não sibilar, sequer.
 
Manda a razão, conforme se pressente,
E consoante a lógica requer,
Vivamos no silêncio integralmente
Quando a harmonia se justapuser.
 
Nada expressemos sem tir-te nem guar-te
Mudos, então, prezemo-nos, destarte,
Ornados e exaltados de esplendores.
 
Sob o trio verbal, recato à parte,
Iremos nos querer - que o amor se farte –
Com noss’alma aditada de fulgores.

  

ARTIGO - Encruzilhadas Históricas (RMR)

ENCRUZILHADAS
HISTÓRICAS
1ª Parte
Rui Martinho Rodrigues *

  

Considerações preliminares

Transformações históricas, profundas e abrangentes podem modificar os costumes, a economia, a organização social, jurídica e política, reconfigurando a correlação de forças entre as potências no pesado jogo internacional da geopolítica. Assim, embora a todo momento aconteçam mudanças, certas ocasiões caracterizam transições de períodos históricos. A queda de uma árvore não é um acontecimento histórico. Mas se o tronco caído provocar o desvio de um caminho de formigas na direção de uma grande plantação, provocando uma grande perda na colheita, então a queda da árvore será um acontecimento histórico, conforme Barbara Tuchman (1912 – 1989), na obra A Prática da História.

A solução de problemas pode induzir mudanças dignas de um novo período. O cultivo da terra transformou nômades em sedentários. A irrigação deu lugar aos impérios do regadio. Darcy Ribeiro (1922 – 1997), na obra O Processo Civilizatório, refere-se estas duas mudanças como primeira e segunda revolução verde. A escrita e a fundição de metais também são exemplos de inovações indutoras de transformações históricas profundas. A solução de problemas, mais do que o conflito, desencadeia mudanças. A produção de um hormônio sintético, permitindo o controle da ovulação e disponibilizando contraceptivos é mais um exemplo de solução de problema mudando o mundo. 

Não só na produção de bens materiais a solução de problemas muda o mundo. Os gregos adotaram um processo decisório para a solução de problemas políticos, baseado na tentativa de debate racional e votação, renunciando ao uso da força, conforme Olivier Nay (1968 – vivo), na obra História das ideias políticas. Profundas mudanças na organização política e jurídica nasceram daí, evoluindo para a democracia. O fenômeno político é ação finalista do homem, admitindo-se que este exerça o papel de sujeito dos acontecimentos. Tenha, juntamente com as demais influências, uma natureza humana, além da constelação de fatores que promovem a dinâmica os fatos e atos. A influência dos aspectos socioculturais, as condicionantes do chamado poder suave e os efeitos da solução de problemas materiais; ao lado da coerção do chamado poder duro nos condicionam parcialmente; mas existe a natureza humana e a História não é despersonalizada. 

Estabelecer os marcos da periodização histórica sofre limitações decorrentes dos problemas da diacronia e da sincronia histórica. A distância enseja uma visão mais ampla da montanha, conforme de aconselha Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), na obra O Príncipe. É mais fácil demarcar períodos históricos depois de muitos anos, porque os desdobramentos dos fatos e atos podem ser observados com o passar do tempo. As, rápidas, profundas e abrangentes transformações em curso talvez sejam as maiores ocorridas em tão poucos anos. É oportuno reconhecer um novo período histórico. Há quem fale em pós-modernidade (Gilles Lepovetsky, 1944 – vivo, em A Sociedade Pós-Moderna); como em sociedade líquida (Zygmunt Bauman, 1925 – 2017, em Sociedade Líquida) e em sociedade global (Marshall McLuhan, 1911 – 1980, em A Aldeia Global). 

O reconhecimento do mundo emergente 

As civilizações nascem, crescem, fenecem e morrem (Arnold Toynbee, 1889 – 1975, em Um estudo da História). É possível definir o fim de um período e o início de outro pela morte e o nascimento de uma civilização. Após o fim de um período, pode haver uma indefinição anárquica. A fase anárquica, para quem entende que o caos é insuportável por muito tempo, seria uma transição seguida por uma nova ordem. Pergunta-se: (i) a civilização ocidental morreu ou (ii) está se adaptando a novas realidades? Dizer que ela morreu ou permanece viva exige que se tenha uma ideia mais ou menos discernível do seria tal civilização. 

A civilização ocidental pode ser descrita como uma mistura (a) da tradição cosmocêntrica dos gregos, com a Filosofia teorética, misturada ao (b) Direito e ao pragmatismo romano, temperado com (c) o teocentrismo da tradição judaico-cristã. A sobrevivência da civilização ocidental seria a permanência destas influências. A busca e o reconhecimento de um logos impessoal, universal e cósmico, herdado da civilização grega, que buscava superar a simples opinião (doxa) está em crise. A razão dedutiva do silogismo; somada ao raciocínio indutivo, sob a vigilância epistemológica da lógica aristotélica, tem sido repudiada. 

A razão é questionada como instrumento de dominação ou em nome da dialética que Lucio Colletti (1924 – 2001) nomeava como senhora de costumes cognoscitivos fáceis. A razão impessoal tem sido questionada por uma razão identitária antropocêntrica. O componente grego da civilização ocidental declina. A subjetividade assume um protagonismo antagônico à superação da doxa. Adota um voluntarismo que chega a negar realidades objetivas em nome da subjetividade. Homens se dizem cachorros prisioneiros em um corpo humano e por isso exigem direitos. Contraditoriamente, porém, cresce o repúdio ao subjetivismo de quem condena as manifestações da contracultura. A censura alega combate ao “preconceito”, mas combate ao subjetivismo do outro.

A permissividade cognitiva que permite aos novos gestores da moral negar a realidade objetiva, não se aplica aos dissidentes. Seria uma nova ética? Qual seria o seu fundamento de validade? Não é teocêntrica. Não pode invocar a vontade divina. É cosmocêntrica? Neste caso não poderia dizer que a objetividade de um corpo humano cede lugar à subjetividade canina. Então só pode ser antropocêntrica. Neste caso falta dizer qual é o critério de validação que pode dirimir as divergências ou conflitos entre subjetividades. Seria a maioria? Faríamos plebiscito para decidir se um cachorro pode ter um corpo humano, substituindo juízo de realidade por juízo de valor? Isso merece outra reflexão.

terça-feira, 2 de abril de 2024

Poesia - SONETOS DECASSILÁBICOS PORTUGUESES (VM)

 1 SACRIFÍCIO E GLÓRIA 
* Vianney Mesquita
 

Aquele que é incapaz de operar o sacrifício é incompetente para a glória.

 (ERNESTO BERTARELLI – Empresário e filantropo italiano, naturalizado suíço. Roma, 22.09.1965).

 


Nos rastos de ostentosa trajetória, 
Despegados de angústia e sofrimento,
Inversos a qualquer padecimento
Conforma-se impossível alçar vitória.
 
Nessa mira erradia e ilusória,
Ao tencionar-se repelir o tormento,
Tal não transpassa falaz lenimento,
À fantasia procrastinatória.
 
 Dessa maneira, de oblações isento,
Forro de todo o comprometimento
Ocorre a circunstância dissuasória.
 
Então, tomado de constrangimento,
O ser remansa, em dúplice momento,
Inepto ao sacrifício e inábil à glória.
 

 

2 SAÚDE E DECESSO

 

Os médicos trabalham sem cessar para nos conservar a saúde. E os cozinheiros para destruí-la. Estes, contudo, têm mais certeza de êxito. (DENIS DIDEROT, filósofo e escritor francês. Langres, 05.10.1713; Paris, 31.07.1784).

 

Na intenção de premunir saúde,
Quantos se louvam nos facultativos!
Sob os galenos se conservam ativos,
Muito embora infalível a finitude.
 
 Entrementes, no entanto, e amiúde,
Maus procederes deliberativos
Costumam conduzi-los, taxativos,
À trilha moribunda do ataúde.
 
A porfia cozinha e Medicina
É lapso (desrazão) que patrocina
Contenda estéril, despropositada:
 
Projetam os cozinheiros cada sina,
E, ao passo que a desgraça a essência mina,
Nossa existência sobeja expirada.

 

3 ODE À DISCRIÇÃO

 

O segredo mais confiado é aquele que a ninguém se confia. (Provérbio xino).

 


Recato, quietismo e confidência,
Ideias de iguais acepções,
Consolidam as mesmas ilações
Expressas no idioma em evidência.
 
Defesas suas manifestações,
Reservas bem-dotadas de abrangência,
Porque demostram autossuficiência
De quem for proponente das moções.
Franquear os segredos, com efeito,
É arrebatar seguidamente, a eito,
Nesse lance a retida confiança.
Em remate, porém, no autorrespeito,
Sob uma idônea retidão afeito,
Habita-se o portal da temperança.
 

4

 A soma das dores possíveis para cada alma é proporcional ao seu grau de perfeição.  (HENRI- FRÉDERIC AMIEL, Escritor e filósofo suíço. Genebra, 27.09.1821; 15.11.1881.

  

 Tanto mais vigorosa a dor molesta,
De mágoas e reclamos é eximido
O espírito ardente, redimido
Pelo valor que a robustez assesta. 
 
Se a pena afronta um ente destemido,
Intimorato quanto ao que lhe arresta
Nada jamais a embaraçá-lo resta,
Porquanto já usurpou o seu olvido.
 
Visto assim sob o prisma paramétrico,
Todas as almas têm passo simétrico
Medido por igual percuciência.
 
O relatado estalão isométrico
Ao resguardar seu perfil dosimétrico,
Reconcilia-se à sobre-excelência.



CRÔNICA - Mãos de Artista (TL)

 






segunda-feira, 11 de março de 2024

POESIA - Sonetos Decassilábicos Portugueses (Vianney Mesquita/Márcio Catunda)

 1 AÇÃO RACIONAL

 Não te gabes nem te repreendas, pois, para isso, bastam tuas ações.

 

[GEORGE HERBERT, poeta galês. Montgomery (UK), 03.04.1593; Bemeston-Salisbury (UK), 01.03.1633].

 

Do encômio jamais tu te revistas,
Tampouco acedas à autocensura,
Porquanto os devaneios intimistas
Agilitam-te até a desventura.
 
Ao vil aplauso - espero – subsistas.
E se assim procederes, porventura,
Desobrigada de pontos de vista,
Impende que a ideia assente pura.
 
No contexto de tal raciocínio,
De pronto, a ti se achega o tirocínio
Com vistas a te preservar seguro.
 
A seriedade não sobra em declínio,
E as ações transferem ao teu domínio
A densa circunstância de maduro.

 

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2 CORDIALIDADE

 Amizade quer dizer indulgência, tolerância, paciência.

 

 [GIUSEPPE GIUSTI, poeta satírico italiano. Pistoia (Mansummano Terme), 12.05.1809 – 31.05.1850].

 

Nomear é bem simples a aliança
De pessoas em lúcida harmonia,
Aditadas na verossimilhança
No verbal imo da lusofonia.
 
 Seres dispostos sob a temperança,
Parceiros em perene sincronia,
Inadmitem render a pujança
Orquestrada em perpétua sinfonia.
 
Configura amizade a indulgência,
Com efeito, conforma paciência,
Comedimento e benignidade.  
Sem forçar, de tal modo, a leniência,
Prover amigos é a conveniência
Do estar humano, é veridicidade.

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 3 ADULAÇÃO

                A língua enganadora não ama a verdade, e a boca lúbrica é causa de ruínas.  (BIBLIA. Provérbios, 26-28).

 

Mote inconteste da Santa Escritura
No Livro dos Provérbios insertado,
Dele é defeso banir da leitura
O cristão lente bem aparelhado.
 
Quem falar enganando conjectura
Resta longe do adágio assinalado
É a verrina oral, propositura
De aluir o inserto do Sagrado.
 
Lúbrica língua, reles, faladeira,
Encontra-se o adulão, chaleira,
A anos-luz da veridicidade.
 
Esta, entretanto, em esmerada esteira,
Segue impoluta, exata e sobranceira
Ao Verbo Sacro em longanimidade.

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4 FORMOSURA SOB DEUS

 

O Belo é o reflexo da Divindade sobre a Terra.

 [JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR. Fortaleza (Messejana), 01.05.1829; Rio de Janeiro, 12.12.1877].


O donaire perfaz-se indescritível
Ao não semelhar algo explicativo
É, todavia, fato relativo,
No mais, integralmente dedutível.
 
Consoante Alencar é taxativo
D’estranha fealdade incompatível
A beleza reflete o deduzível
Provindo de Cima, distintivo.
 
Quer d’Afrodite, Vênus, Hathor ou Freya
(Até de Iracema), vem a ideia –
De a Beleza provir da Trindade.
 
Ditoso seja o Autor fortalezense,
Nosso compatrício – cearense –
Ao supor aflorar na Divindade.